Friday, December 21, 2007

A morte do tempo


Atirou a primeira vez, pra testar a coragem. Arma em punho, suor entre os dedos, acertou o vaso. Tinha provado que conseguiria. Apesar de ter mirado o canto da janela, acertar o vaso já era algo. E desde que entrara no quarto, eram três as coisas que via: o relógio logo à entrada, o vaso do lado da cama e, na cama, um homem.

Da segunda vez, mais seguro e mais tenso, porque afinal já acertara uma vez, ajeitou o silenciador recém-comprado, tinha medo de que falhasse. Segurou mais firme e chegou-se perto, bem perto do homem que dormia, incapaz de acreditar que ele não tinha acordado com o barulho do vaso estilhaçando duas vezes, o tiro seguido do chão.

Estaria morto? Talvez estivesse, mas agora era tarde. Morto ou não morto: e se estivesse, morreria de novo. Trêmulo, entre vivo e indeciso, mas perfeitamente convencido de que tinha de sair dali tendo feito o serviço inteiro, disparou o segundo tiro.

No ombro direito. Calculara mal o peso da arma, a proximidade do homem, pensou que o coração estaria à esquerda. E a arma, que tinha ido quase bem no primeiro disparo, nesse parecia querer fazer piada. Não era hora de piada, e ele se conformou pensando que pelo menos atingira o alvo. Torto, mas o alvo.

Continuaria. Suando ainda, esperava a reação do corpo. Passara já de homem para corpo. Estaria morto? Bobagem. O sangue empapando os lençóis, o suor escorrendo vivo. Vida era algo que não enchia aquela casa, mas tinha mais o que fazer do que ficar divagando.

Porque estava mesmo indo devagar. Maldição, tinha hora. Compromissos. Pois continuasse. Tiro três, conforme o combinado, agora mirasse direito. Tinham-lhe dito: “mão esquerda, não esqueça” e ficou-lhe tão surreal a idéia de ir matar alguém e desferir um tiro na mão esquerda, que quase não percebeu ali a aliança suja. Crime de amor, tinha graça, ele ali metido numa trama de ciúmes. Mas também, que diferença. Mirou: mão esquerda.

Desviou alguns centímetros para o lado, já prevendo o erro havido nos outros tiros, e, disparo feito, finalmente acertara onde queria. A mão estilhaçada por cima do travesseiro, sangue em volta do medo. Pensara que melhoraria com o tempo, mas a ânsia de vomitar só crescia com os ponteiros daquele maldito relógio que só tiquetaqueava. Não ajuda, só marcava. Marcava, matava, diabo de pensamentos.

O anel permanecera intacto. Azar, faltava ainda dois tiros, o combinado eram cinco. E o que até então era dúvida, virou certeza: tinha vindo matar um homem morto. Teria morrido antes de ele chegar, coisa de pouco tempo? teria talvez sido morto por aquele que o contratara? Estava pensando demais, pensando demais.

De repente o medo, estivera com um morto aquele tempo todo. Um morto que preenchia o tempo mais que ele, queria ir embora. Lembrou-se da avó morta, da mãe morta, dos amigos mortos, todos tão mortos quanto ele temia estar, naquele mesmo momento. E se quem tivesse matado o homem estivesse ali ainda, esperando que ele saísse, pra continuar o joguinho, a grandiosa brincadeira? Suor, suor entre os dedos.

Suor a camisa, sangue os lençóis. Temeu por si mesmo, e o silêncio dos tiros recém-atirados fez com que nascesse certeza de que havia alguém vigiando. Das cinco balas que tinha, três tinham ido a um morto, que burrice. Não cumpriria o combinado, afinal o morto já não estava, desde o começo, morto mesmo? Três balas perdidas, e quem perdera era ele.

Agora sabia tudo: o homem que o contratara era um maluco perfeito, e com toda a certeza devia estar naquela sala. Ou na cozinha. Ou na varanda, meu Deus, que casa enorme. E o sorriso com o qual o encarara, quando apertaram as mãos, ele dizendo “confio, confio nos seus serviços. Esteja também confiante quanto aos seus pagamentos”, claríssimo que era armadilha. Sabia, no momento do acerto, que aquele homem tinha plena capacidade de matar quem quer que quisesse, esconder todas as provas, e no outro dia estar sorrindo com um bando de mulheres numa quadra de tênis. Era rico, bonito e particularmente forte, por que contratar um fraco como ele? Por medo de ser preso? Burrice, que burrice, meu Deus...

Pensava nas duas balas restantes. E o pensamento batia nas paredes da casa, correndo com medo imenso, como será que teria morrido o morto na sua frente, aquele que pensara ter matado e agora tinha a certeza de que tinha sido uma grande farsa. O homem devia ter morrido de veneno, ou de asfixia ou de...

As marcas. As marcas no pescoço, claro, tinha sido estrangulado, como não tinha visto isso antes? Não, não estava fantasiando, tudo muito claro, o pescoço marcado, a morte na sua frente e talvez esperando nos lados, nos cantos dos quartos, tinha que correr. Corria.

A penumbra da casa não ajudava a memória a lembrar dos passos há pouco feitos, do caminho inverso, e ele segurava com força a arma pensando que precisaria daquelas balas.

Em última instância, uma era pro louco, a outra seria pra si, se precisasse. Não seria morto, desde pequeno sabia: não seria morto. Matava-se, mas ninguém a tocar-lhe o corpo, ninguém a ver-lhe morrer. Talvez por isso a profissão que escolhera, muito embora devesse dizer que aquele estava sendo seu primeiro trabalho completo. Completo?

Correu com as duas balas na mão, dentro da arma, até alcançar a porta. E quando afinal a mão já ia abrindo o destino da rua, ouviu um barulho às costas. Raciocinou ainda uma vez, iludido com a talvez capacidade de pensar friamente – não pensava. Tendo ouvido o ruído, esteve certo de que ou era o morto que não morrera ou era o assassino. Tão confuso e perdido, que esquecia ser ele o assassino contratado. Mão na maçaneta, um segundo só. E decidido a ninguém tocar-lhe o corpo, deu-se as duas balas de presente, as duas mais ou menos no centro do peito: morrer dignamente. Morreu com o pensamento de ter-se defendido e, no fim, o relógio continuava a marcar os segundos. E continuaria, e ele jamais perceberia que se tinha matado pelo peso dos ponteiros do relógio, naquela hora em que marcavam hora exata.

texto de: marília passos
lido por: ela mesma
na roda de: 08/12/07 (na verdade uma reprise, mas a data da primeira leitura eu não recordo)

Miolos

Seus pais viviam dizendo que ele só tinha merda na cabeça. Curioso e dado à atitudes extremas como era, deu de encontro com o crânio repetidas vezes no sólido. Cheirava mal. Mas passou o dedo na gosma pregada na parede. O gosto não era tão ruim.

texto de: guilherme linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 08/12/07

(RE) (DES) ENCONTROS

Fazia aquele périplo quase diariamente, de uma maneira estóica, numa busca incessante.

Aconteceu em uma dessas festas populares, em que os mais eruditos se misturam às massas numa mesma catarse. Os olhos perscrutavam o ambiente ao redor, buscando alguma singularidade, uma familiaridade entre aqueles rostos anônimos que estavam compartilhando aparentemente o mesmo estado de contentamento, mas condicionados a demandas talvez antagônicas.

Pôs os olhos nela e como se fosse uma espécie de curso natural da história da vida de ambos, aproximaram-se, sugaram calidamente a atmosfera interior de cada um e se deixaram levar sem muita resistência pela multidão, seguindo caminhos opostos, aceitando passivamente o distanciamento, pois qualquer tipo de verbalização iria estragar a poesia e o equilíbrio da cena, além do que, dava um contorno de incerteza ao vir-a-ser, que embelezava mais ainda o fato. Estavam agora fadados a reprisar aquele pequeno filme através de um outro choque que abstraísse a realidade em volta, e que não envolvesse nenhuma expressão vocal. E nada mais especial naquele encontro do que o silêncio compenetrado em meio à incontornável poluição sonora.

Aquela parte da urbe estava em constante transformação, misturando construções antigas e outras com arquitetura de última ponta, além da sua própria natureza social, fazendo conviver a fórceps com um certo ranço de rivalidade, abastados e excluídos. Esse caos sócio-estético lhe acarretava uma desrreferencialização contribuindo ainda mais pra loucura que era aquela busca. Não sabia nem se estava realmente atrás de alguém ou de reviver um baque emocional. A pluralidade de construções e de classes era mesmo uma espécie de metáfora do seu turbilhão psicológico, pois intermitentemente reavaliava suas relações humanas, amalgamando ressentimentos e a superação deles, além do próprio valor de cada parte constituinte daquele mosaico cada vez mais fragmentado. Seguia fluxos, ia na contramão de todos, esbarrava nas pessoas, esperava ouvir algo alentador, ou encontrar um ponto de destaque nos olhos de alguém, ou em algo material que emanasse uma fagulha de serenidade. Era sempre assim quando estava em qualquer meio social. Buscava obcecadamente atenuar sua misantropia, olhando detalhadamente o máximo que seu raio de ação ocular podia. Foi dessa forma que se deu o encontro.

Era interessante aquele sobrado, com a tinta desbotada e sempre ausente de pessoas. Parecia prestes ao desmoronamento. Talvez fosse o lugar da delimitação geográfica que ele havia feito, com o qual mais se identificava. Paradoxalmente no mesmo quarteirão, erguia-se um prédio com uma estrutura que exalava funcionalidade, modernidade, sempre lotado de gente. Trazia uma certa atração por aquele vai-e-vem, com a porta de entrada abrindo-se automaticamente quando alguém se aproximava. A tecnologia no final das contas dava um certo ar de realidade fantástica àquela elevação asséptica, árida e sólida. Ao contrário do sobrado estava envolta em uma aclimatação desumanizada, apesar das pessoas fazerem parte cotidianamente de sua paisagem. Talvez residisse aí a razão. Quando a calçada acabava, entrando a direita e subindo uma rampa quase na vertical, podia deparar-se com um campinho, sempre cheio de garotos jogando. Era incrível o aspecto simbólico de afetividade e vivacidade naquilo: lembrava-se da infância e das tardes mais felizes que já tivera correndo atrás de uma bola, além do que, os seres ali se interagiam, diferente da impessoalidade que marca boa parte das relações sociais urbanas, e isso tendo como palco um logradouro que está fadado ao desaparecimento devido à especulação imobiliária, dando ao campinho um aspecto de resistência à avidez comercializante do sistema. Em frente havia um boteco desses bem rústicos, cheio de velhos bebendo, ao entrar, travava-se contato com toda a memória afetiva do bairro, tendo a real dimensão do vilipendiamento dos laços comunitários. Resquícios dele poderiam ser observados nas cadeiras que aquelas donas-de-casa punham na calçada todo fim de tarde. Tudo é uma mistura de pureza nostálgica e contemporaneidade.

Inconscientemente havia passado três vezes naquela rua. Era como se de algum trecho dela fosse surgir uma revelação. E então depara-se com a garota, como se esta tivesse saído de uma meta-realidade. E ficaram sentados um em frente ao outro, sem desvio no olhar, e sem toques, reprisando o silêncio compenetrado e cúmplice, formando uma ilha que irradiava uma áurea intensa e iluminada no meio da vertiginosidade em volta.


texto de: guilherme linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: ??? (o primeiro texto que ele leu nos encontros, se eu não me engano justamente no primeiro dia que ele foi lá, em março ou abril).

Tuesday, June 12, 2007

Uma lenda chamada Samantha

Samantha começou cedo sua vida sexual desbragada (parece que os pais intuitivamente já anteviam o futuro para a filha, escolhendo um nome de batismo apelativo como esse). Ficava sozinha em casa já pelos dez anos, e os garotos batiam ponto todo dia à tarde na residência. Como seus pais levavam a chave, ela ficava trancada e punha sua bunda e bocetinha atrás das grades do quarto para eles bolinarem, após escalado o muro. Tirou seu cabaço por ali mesmo, trancafiada no quarto tal qual uma presidiária. E nunca teve necessidade afetiva de estar mais reservada com alguém especial, sempre quando trepava era no meio de um coletivo de pelo menos dois rapazes. A sua sexualidade sempre foi exercida na forma de suruba, um exemplar da devassidão, da luxúria extrema. Foi natural perceber que seu maior trunfo para se colocar no mercado haveria de ser através do sexo, a única coisa para qual tinha vocação, pois parou de estudar ainda no primeiro grau e não conseguia disciplinar-se em nenhuma rotina empregatícia. Foi lá naquela agência condicionada pelo anúncio suspeito que vira nos classificados, e o recrutador deu a entender que poderia facilitar-lhe as coisas, caso a mesma colaborasse. Disse que só com uma condição: não fazia sexo de uma maneira monogâmica, portanto teria que chamar mais pessoas. Não acreditou no que ouviu, mas pagou pra ver, chamando outros empregados que estavam disponíveis. Samantha fez jus a sua condição de tarada proporcionando prazer à todos. Havia ali uma estrela, antes de participar de alguma película. A sua primeira cena foi com cinco rapazes, tendo um desempenho melhor do que qualquer contratada da companhia. Na segunda encarou o dobro de parceiros, e na terceira o contingente populacional batia na casa dos vinte. Não dava pra acomodar a sacanagem na sala apertada do estúdio. O jeito foi alugar um galpão, o que daria um aspecto ainda mais hardcore a cena. A puta encarou todos. O diretor fez uma exigência, a fim de tornar aquele filme um marco da pornografia: os rapazes teriam que segurar a ejaculação, pra depois gozarem todos juntos no corpo da atriz. E foram então vinte cacetes vomitando porra ao mesmo tempo. Ela acabou desaparecendo sob o fluxo caudaloso e nunca mais foi vista.


texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07

Pulsões Literárias

Haviam se separado recentemente. Naquele extremo de investimento emocional em que viviam, os dois jamais conheceram uma rotina minimamente estável: a estória obedecia às efemeridades de uma paixão intensa, faziam sexo e juras de amor e desbancavam para conflitos copiosamente destrutivos. A relação era uma violência só: verbal, física e sexual. Havia um contrato a fim de rejeitarem categoricamente a placidez de um amor terno. Se a coisa acabasse nesse patamar, achavam que o vínculo que sustentava os dois naturalmente ruiria. Pra não verem isso acontecer se separaram. É assim que almejavam levar a relação: como reféns de um desejo maior que eles. Além da porralouquice afetiva compartilhavam outro dado em comum essencial para compreensão de ambos: o amor pela literatura. Na hora dos embates, um jorrar sem fim de citações de Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Dostoievski entre outros cânones. O falatório próprio dos dois já era impregnado de um vocabulário cheio de erudições e esteticamente impecável. Presenciar uma briga era como assistir à uma peça de teatro. Àquela tarde, exercendo a aptidão de leitores ávidos estavam na maior livraria da cidade, uma construção de dois andares que configurava-se em um deleite para as duas criaturas perderem-se no meio de tantos títulos a disposição. Nesse dia, após umas duas horas de perambulações decidiram levar “Pergunte ao Pó” de John Fante, que há muito estava fora de catálogo e fora lançado recentemente. Uma estória de amor encharcada de conflitos e doação afetiva, que tem como protagonista um escritor que busca colocação no mercado. Quando ele chegou à fila carregando seu exemplar, a moça que estava a sua frente desiste de ficar ali, revelando sua ex situada mais adiante. Os dois olham imediatamente para o livro que cada um trazia, deixam cair com o susto, e praticamente fazem amor no meio da multidão.

texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07

Saturday, June 09, 2007

Pecado


- Perdoe-me, Padre, pois eu pequei.

A voz baixa e suave entrava pelo confessionário como se a luz se responsabilizasse por sua entrada quente, morna e delicada.

- Pode falar, filha.

Começou a denunciar-se, os olhos estavam cobertos por óculos escuros. Se estavam cerrados ou arregalados não se sabia.

Cabelos louros, quase ouro, lábios grossos e vermelhos, pele lisa e branca. Pura como a sociedade lhe fizera.

Andava calmamente, não como sempre. Precisava apenas de uma tarde diferente, sem namorado, família, trabalho ou amigos. Voltava-se mais pra si, o tempo necessário para o ego.

Foi ao cinema. Não sabia a que filme assistir, mas foi. Comprou o ingresso. Seção das 15, mas eram 13 e trinta. Então decide percorrer pelo salão do museu e de seus pensamentos. Os quadros não lhe interessavam, estavam longe de seu entendimento ou de sua vontade de entender algo naquele momento. Brincou com seu crucifixo enquanto caminhava, acariciava cristo, isso a entretia.

Olhou para o lado, quando estava se distraindo em desperceber as obras plásticas do famoso artista do Irã.

Encontrou um gesto gentil, quase obrigatório de uma atendente.

Cabelo curto, vermelho, óculos pequenos para não esconder a beleza do rosto.

Deveria ser de prache.

Passou por ela com um andar que atrai desconsertos a olhos desacostumados com o lampejo da carne. Andava como quem pedia... E gravava-se na memória.

Continuou a andar.

Pensa em coincidências e destino, aquela fraqueza dos seres humanos ao tentar ratificar o tesão.

Agora estão a se vigiar.

Informações são dadas a qualquer visitante que se interesse em obtê-las

A conversa acontece.

Arte, filosofia, sorriso, cinema, gesto delicado no cabelo, sociedade, umedecimento de lábios, câmeras, mãos na nuca, discrição.

Quando não, já estavam a percorrer uma escada circular que as levasse para baixo. Sem câmeras (olhos mecânicos) nem indiscrição.

Cabelos soltos, bocas vorazes, mordidas de leve, respiração forte, blusas abertas, seios sensíveis, pele lisa, pêlos ralos, cheiro louco, língua voraz, salgado gostoso, mordidas safadas, mãos ágeis, sussurros roucos, dente, batom, espelho, contentamento.

Volta a encontrar a escada e percorre o caminho de volta, sozinha, apenas com um sorriso safado na boca.

Entra no cinema. Fica de frente à tela. Luzes alternam entre falas distantes.

Nada importa.

- Fui animal confesso e sei que isso não devia ter acontecido.

Correm lágrimas de seu olho e sua fala é fragmentada.

- Perdoe-me... Padre, pois eu pequei.

Após o relato o padre ficou ali, ereto. Os pensamentos voavam. O padre não estava mais lá, só restou o homem.


texto de: Márcio Araújo
lido por: Márcio Araújo
na roda de: 09/06/07

Thursday, June 07, 2007

Tema do Mês : Sexo e literatura

Segue-se abaixo os primeiros textos da temática do mês, Sexo e Literatura. Não se tratam de textos lidos na roda de leitura, mas de uma pequena seleção utilizada para ilustrar o post do blog-mãe do Por Mais Leitura. Para ver o texto:

http://pormaisleitura.blogspot.com/2007/06/para-alm-da-roda-sacanagem-rola-muito.html

O Professor Filósofo - Sade


De todas as ciências que se inculca na cabeça de uma criança quando se trabalha em sua educação, os mistérios do Cristianismo, ainda que uma das mais sublimes matérias dessa educação, sem dúvida não são, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade no seu jovem espírito.

Persuadir, por exemplo, um jovem de catorze ou quinze anos de que Deus pai e Deus filho são apenas um, de que o filho é consubstancial com respeito ao pai e que o pai o é com respeito ao filho, etc, tudo isso, por mais necessário à felicidade da vida, é, contudo, mais difícil de fazer entender do que a álgebra, e quando queremos obter êxito, somos obrigados a empregar certos procedimentos físicos, certas explicações concretas que, por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem, compreensão do objeto misterioso.

Ninguém estava mais profundamente afeito a esse método do que o abade Du Parquet, preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belo rosto que é possível ver. – Senhor abade, – dizia diariamente o pequeno conde a seu professor – na verdade, a consubstanciação é algo que está além das minhas forças; é-me absolutamente impossível compreender que duas pessoas possam formar uma só: explicai-me esse mistério, rogo-vos, ou pelo menos colocai-o a meu alcance.

O honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a catorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.

– Pois bem, – disse-lhe o abade – agora, meu amigo, concebas o mistério da consubstanciação: compreendes com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?

– Oh! meu Deus, sim, senhor abade, – diz o encantador energúmeno – agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente; não me admira esse mistério constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.

Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda “no mistério” que ele não compreendia muito bem, e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem, e a lição recomeça, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.

– Parece-me que vai demasiado rápido, – diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde de muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar... Se fixássemos, sim... dessa maneira, diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.

– Ah! Oh! meu Deus, o senhor me fez mal – diz o jovem – mas essa cerimônia parece-me inútil; o que ela me acrescenta com relação ao mistério?

– Por Deus! – diz o abade, balbuciando de prazer – não vês, caro amigo, que te ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje te explico; mais cinco ou seis lições iguais a esta e serás doutor na Sorbonne.

Decameron - Giovanni Boccaccio

( Fragmento )

O monge viu uma jovem lindíssima, filha , talvez , de algum dos lavradores da região . A jovem estava apanhando algumas ervas nos campos . Assim que o monge a viu, sentiu-se acometido pelo interesse carnal . Por esta razão , acercou-se mais da jovem e travou conversa com ela . E tanto saltou de uma palavra a outra , que terminou por firmar um acordo com ela . Por esse acordo firmado, levou-a à sua cela , sem que ninguém o percebesse. Instigado por um desejo excessivo , brincou com ela , e de um modo menos cauteloso do que seria conveniente .

Sucedeu que o abade do mosteiro , deixando a sua cama , onde dormira, e passando, sem fazer ruído , em frente à sala do tal monge , escutou a barulheira que ele e a moça faziam. Para identificar mais precisamente as vozes o abade chegou bem próximo à porta da cela. Notou sem nenhuma dúvida , que havia uma mulher lá dentro. Sentiu-se tentado a ordenar que se abrisse a porta. Entretanto , pouco depois , julgou que seria mais conveniente agir de outro modo , em semelhante caso . Retornou ao seu quarto e aguardou que o monge deixasse a cela .

Apesar de ocupado com a jovem , e ainda que gozasse enorme prazer , o monge não deixou de desconfiar de algo ; a certa altura , tivera a impressão de ouvir um arrastar de pés , pela ala dos quartos de dormir. Por essa razão , olhou através de pequeno orifício e viu que o abade ali estava, escutando. Entendeu, perfeitamente , que o abade devia saber que a jovem estava em sua companhia . Reconhecendo que , por essa razão , seria punido com grave castigo , mostrou-se profundamente aborrecido . Contudo , sem deixar que a moça percebesse a sua contrariedade , buscou em sua mente algo que o auxiliasse a escapulir daquela enrascada . Finalmente , ocorreu-lhe uma artimanha, que calhava bem a esse fim. Daí, fingindo já ter ficado o suficiente em companhia da jovem , disse-lhe:

– Quero achar uma maneira de você sair daqui de dentro sem que a vejam; assim sendo, fique aqui mesmo , calmamente , até que eu regresse.

Deixou a cela e trancou a porta com a chave . Encaminhou-se diretamente para a cela do abade, dando-lhe a chave , conforme a tradição, quando se ausentava do mosteiro. Disse, então, com expressão tranqüila e amiga :

– Senhor abade , não pude, esta manhã , ordenar que trouxessem ao mosteiro toda a lenha que pude arranjar ; por esta razão , com sua permissão , desejo ir ao bosque , para mandar que a tragam.

O abade , desejando informar-se por completo com relação à falta praticada pelo monge , ficou satisfeito com o seu modo de agir . Recebeu a chave e deu ao monge permissão para ir ao bosque . Ficou convencido , como se percebe , de que o monge nada sabia do fato de ele , abade , ter ficado escutando à porta de sua própria cela .

Bastou o monge se retirar, o abade procurou resolver o que seria mais certo fazer , primeiramente : abrir-lhe a cela , na presença de todos os monges do mosteiro , para que ninguém pudesse apresentar razões de queixa contra ele, no momento em que pela sua autoridade abacial castigasse o monge pecador , ou escutar, primeiro , da jovem mesma , a sós , como se passara o caso . Cogitando, entretanto , que a jovem pudesse ser esposa ou filha de algum homem que ele não gostaria de fazer passar por essa vergonha , decidiu que o melhor seria tratar , primeiramente , de saber quem era aquela moça para depois resolver o que faria. Silenciosamente , dirigiu-se para a cela do monge ; abriu a porta ; entrou e fechou-a por dentro , naturalmente . Vendo entrar o abade , a moça ficou desconcertada . Cheia de vergonha e de medo , pôs-se a chorar . O senhor abade olhou-a por muito tempo ; vendo-a tão bela e sensual , sentiu inesperadamente , ainda que um tanto idoso , os apelos da carne . Eram apelos não menos ardentes do que aqueles que sentira o jovem monge . E a si mesmo começou a dizer :

– Enfim , que razão há para que eu deixe de desfrutar um prazer, quando posso desfrutá-lo, se, por outro lado , os aborrecimentos e os tédios estão sempre preparados para que eu os prove, queira ou não ? Aí está uma bela moça, sem que nenhuma pessoa , no mundo , saiba disso. Se posso fazer com que me proporcione os prazeres pelos quais anseio , não existe nenhuma razão para que eu não a induza Quem é que virá a saber disto? Ninguém nunca o saberá! Pecado oculto é pecado meio perdoado. Um acaso destes quiçá jamais venha a se verificar de novo . Julgo ser conduta acertada colher o bem que Deus Nosso Senhor nos envia.

Assim refletindo, e tendo modificado inteiramente o propósito pelo qual fora até ali , acercou-se mais da moça . Com voz melíflua , pôs-se a confortá-la e a pedir , com instância , que não chorasse. Palavra puxa palavra , até que ele chegou ao ponto de poder evidenciar à moça o seu desejo . A jovem , que não era construída de ferro nem de diamante , atendeu, muito cômoda e amavelmente aos prazeres do abade . O padre abraçou-a, beijou-a muitas vezes , seguidamente , atirou-se com ela na cama do monge . Seja por enorme consideração , ou ao venerável peso de sua própria dignidade , ou pela idade tenra da jovem – seja, então por recear causar-lhe mal , pelo seu excessivo peso –, o abade não se pôs sobre o peito da moça. Antes, colocou-a sobre o seu próprio peito. E, durante muito tempo , entreteve-se com ela .

O monge , que havia fingido ir ao bosque , mas que , na verdade , escondera-se na ala dos dormitórios , viu quando o abade entrou em sua cela . Assim , completamente tranqüilo , compreendeu que seu plano dera resultado , ao perceber que o abade trancara a porta por dentro. Deixando o seu esconderijo , silenciosamente foi até o orifício da fechadura, através do qual viu e ouviu o que o abade fez e disse.

Quando pareceu ao abade que já se demorara o bastante em companhia da jovem , deixou-a trancada na cela , e retornou ao seu quarto . Passado algum tempo , ouvindo que o monge chegava, e pensando que ele regressasse do bosque , decidiu censurá-lo e mandar que o prendessem no cárcere ; assim procedendo, pretendia ficar sozinho na posse da presa conquistada. Ordenou, portanto , que o monge viesse à sua presença. Com o rosto severo e com graves palavras , censurou-o, mandando que fosse conduzido ao cárcere . O monge , sem nenhuma hesitação , retrucou:

– Senhor abade , não estou, ainda , há tempo bastante na Ordem de São Bento para conhecer todas as singularidades de sua disciplina . O senhor não me mostrara ainda que os monges precisam fazer-se mortificar pelas mulheres , assim como devem fazê-lo com jejuns e vigílias ; agora , contudo , que o senhor acaba de mo demonstrar , prometo-lhe, se me conceder o perdão por esta vez , que nunca mais pecarei por esta forma ; ao contrário , procederei sempre como vi o senhor fazer .

O abade , como homem astuto que era , reconheceu logo que o monge não só conseguira saber a seu respeito muito além do que o suposto , mas ainda ver quanto ele fizera. Por esta razão , sentiu remorsos pela sua própria culpa ; e ficou vexado de aplicar ao monge o castigo que ele , tanto quanto o seu subordinado , merecera. Deu-lhe o perdão , mas impôs-lhe silêncio sobre quanto vira . Depois , levaram ambos a moça para fora do mosteiro ; e, mais tarde, como é fácil de se presumir , inúmeras vezes a fizeram retornar ali .

Cântico dos Cânticos de Salomão

(trechos)

Anseios de Amor

Ela

Sua boca me cubra de beijos !
São mais suaves que o vinho tuas carícias ,
e mais aromáticos que teus perfumes
é teu nome , mais que perfume derramado;
por isso as jovens de ti se enamoram.
Leva-me contigo ! Corramos!
O rei introduziu-me em seus aposentos .

Coro

Queremos contigo exultar de gozo e alegria ,
celebrando tuas carícias , superiores ao vinho .
Com razão as jovens de ti se enamoram.

Recanto de Amor

Ele

És um jardim fechado, minha irmã e minha noiva ,
uma nascente fechada, uma fonte selada.
Tuas plantas são um vergel de romãzeiras ,
vegetação toda selecionada :
umbelas de alfena e flores de nardo,
nardo e açafrão , canela e jasmim-azul,
toda espécie de árvores de incenso ,
mirra e aloés ,
os melhores bálsamos .
A fonte do jardim
é como um manancial de água corrente
que brota do Líbano.
Desperta, Aquilão !
E tu , Austro, vem soprar em meu jardim ,
para que se espalhem seus aromas !

Apelo da Amada

Ela

Que entre o meu amado em seu jardim
para comer dos frutos deliciosos !

E le

Já vou ao meu jardim , minha irmã
e minha noiva ,
colher mirra e bálsamo ,
estou comendo o meu favo de mel
e bebendo o meu vinho e o meu leite .

Coro

Amigos , comei!
bebei e embriagai-vos do amor !

A uma Mulher Amada - Safo

Tradução : Décio Pignatari

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro !
Quem goza o prazer de te escutar ,
quem vê , às vezes , teu doce sorriso .
Nem os deuses felizes o podem igualar .

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne , ó suave bem querida ,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar .
Não ouço mais . Eu caio num langor supremo ;
E pálida e perdida e febril e sem ar ,
um frêmito me abala ... eu quase morro ... eu tremo.

De Amaru – Poesia Clássica Hindu

(trecho)

1
– Aonde vais pela alta noite adentro?
– Encontrar-me com quem me é vida e morte.
– E não tens medo de sair tão só?
– Sozinha? Eu? Se vai comigo o amor!
*

2
Eu disse "Deixa-me em paz",
a atormentá-lo de amor.
Levantou-se o meu amado,
e foi-se embora enfadado.
Que jeito com os homens ter?
Tão duro, sem coração,
e eu ardo em baixos desejos
do falso ardor dos seus beijos.
Minha amiga, que fazer?
*

3
Ao ver sua boca ao pé da minha boca,
desviei o olhar. E as mãos pus nos ouvidos,
quando as palavras dele retiniam.
Também escondi com as mãos o suor de enleio
que a fronte me perlava. Tentei tudo.
Mas que fazer, quando senti que as vestes
por si caíam por meu corpo abaixo?
*

4
Esmagados no abraço os seios dela,
a pele tremia-lhe, e entre as suas ancas
do amor a seiva oleosa transbordou.
"Não, meu querido, outra vez... não... oh, deixa-me
descansar", pedia num suspiro.
E dorme? Ou morre? Ou se desvaneceu
dentro em meu peito? Ou não é mais que um sonho?

Fonte:
Poesia de 26 Séculos. Tradução de Jorge de Sena. Porto, Ed. Inova, 1971.

Tuesday, May 15, 2007

18º Encontro Literário Por MAIS Leitura

Não vamos perder as contas... Nossa última "Roda Real" de leitura foi a de número 18, no sábado, dia 12 de maio de 2007!

Antes, uma observação: passamos batido no 17º encontro? Não! Quem disse que temos que seguir a ordem cronológica? Na arte não há regras! Portanto, Em breve poderemos relatar e ler como foi a Roda de leitura em homenagem à nossa Fortaleza. Só não o faço porque infelizmente cheguei no finalzinho e não sei detalhes do que rolou antes de minha chegada... Quem esteve desde o começo ainda pode postar aqui, que tal?

Nossa roda gira, gira... O tema desse encontro foi a apresentação de textos autorais. Tivemos participantes novos e veteranos, assíduos e itinerantes... Alguns trouxeram seus textos para serem lidos, outros apenas vieram ver e ouvir. Por MAIS Leitura é isso: diversidade, liberdade, boas-vindas e braços abertos para todos os interessados!

Abaixo segue a seqüência dos textos que foram lidos. Alguns possuem links para quem quiser conferir o texto na íntegra. Fiquem à vontade!


1. Começamos com Lediana lendo 2 textos seus: Velha Novidade e Aceitar o tempo. Logo após o texto rodou foi novamente lido por Guilherme, Joana e Marília.

2. Guilherme leu os seus textos: Velocidade e Jogo Eletrônico

3. Para ilustrar uma idéia durante a discussão sobre o texto de Guilherme, Ary leu o texto Canção 9, presente no encarte do cd "Ode descontínua e remota para flauta e oboé - de Ariana para Dionísio", parceria de Zeca Baleiro (músicas) e Hilda Hist (letras).

4. Alan leu o texto Lacuna, de autoria de Ary.

5. Ítalo leu mais um texto de Ary: Arqueologia.

6. Joana trouxe um texto seu: Tarefa de casa, que foi lido por Ítalo.

7. Marília leu o conto Um jazz, de sua autoria.

8. Bruno leu o seu texto Não tem título, sobre um amor felino.

9. Finalizando a roda, Lara leu um texto seu, sem título, que falava sobre um momento, um caminhar, barulho folhas secas sendo pisadas e luz do sol...

JOGO ELETRÔNICO

Caminhava em passos concentrados pelo centro da urbe, ausente de si ou dos outros. Um rapaz a pega pela mão e sai correndo lhe arrastando. As primeiras pessoas que presenciaram a cena, a fizeram de forma dispersa, mas à medida que o cortejo da dupla ia passando, foi-se formando duas colunas condensadas de gente perfilada, e no meio o corredor por onde os dois seguiam. Parecia que o contingente populacional ali próximo previa a corrida, e se mostrava compenetrado na performance. Os motoristas antevendo a passagem paravam imediatamente, a fim de que a trajetória não sofresse nenhuma interrupção. A moça que de início nada pôde fazer, pois era frágil para subverter a instantaneidade violenta de seu parceiro, agora se dispunha totalmente inerte para pôr um fim naquilo, pois não pretendia conspirar contra o empenho do seu guia e nem decepcionar os espectadores. Já haviam percorrido uma distância considerável, a mulher extenuou-se e cada vez mais era arrastada pelo estranho, pois parecia que não tinha forças nem para andar. Quando alcançaram aquela rua, o cara põe um fim à trajetória retilínea, dobrando na mesma. Depois de mais alguns metros, ele para, larga a garota e se senta. Sua cúmplice faz o mesmo. Viu que as pessoas se dispersaram, e num átimo de tempo impossível de captar, o corredor se misturou à multidão. Volta ao seu ponto de origem. No caminho um indivíduo lhe oferece água. Ela teve uma certa repulsa. Ao chegar, seu algoz ou redentor lhe aborda, e dá início novamente ao itinerário.


texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 12/05/2007

VELOCIDADE




____________________Carros passam. __Ônibus chegam. __ Trens



rasgam. _ Transeuntes atravessam._ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _Pixelsconfiguram i m a g e n s serevezam.



____________Notícias são paisagens.



O meu olhar inerte contrasta com a mobilidade. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de:: 12/05/2007

Monday, May 14, 2007

Não tem título

Sabe como ama um gato
um amor que não é fácil
e s'indolor

um amor não automático
um amor que indiferente
convivência sutilmente
todo o dia
e vela (`)a noite

meu deus como é bonito
que brilho é esse
de sol dentro da noite
quando tu me olha assim
tão penetrante indiferente

notar
depois de um dia inteiro
o gato
imóvel em cima da cama
ao lado do jarro das flores do armário

como pode amar assim um gato


texto de: Bruno Reis
lido por: ele mesmo
na roda de: 12/05/2007

Velha novidade

Antes tudo era novidade, e tudo parecia ser eterno. Com essa premissa, foi fácil abandonar o momento atual em busca do novo de novo, acreditando que sempre teria por perto toda a magia do início. Ficou fácil esquecer, deixar para depois aquela frase a ser dita, aquele gesto a ser feito, em troca de desejos mais recentes, mais imediatos.

Assim, foi lhe escapando como água entre os dedos tudo o que até pouco tempo estava bem ao seu alcance. À medida em que percebeu esta subtração, um vazio foi se apoderando de si. O novos preenchimentos simplesmente desapareceram e ele não sabia explicar o que havia acontecido. Chegou a saborear o momento com euforia, acreditando ser mais uma nova emoção. E por um lado, até podia ser.

Mas o tempo foi passando cada vez mais depressa e ele se viu completamente só, perdido, longe de seus desejos. Exigia tudo de volta, como era antes. Não entendia como tudo mudara de repente. Queria mais uma chance para curar o arrependimento...

Era chegada a hora de assumir seus erros, seu desdém às tantas coisas que deixara inacabadas. Constatou que não haveria mais como se corrigir. Mas acertar agora e daqui em diante talvez o livrasse da culpa do passado incompleto. E finalmente entendeu: jamais o teria de volta.

Aceitou-se.


Aceitar o tempo

Perceber a chegada dos novos e bons momentos e vivê-los a seu tempo, dando-lhes o valor que merecem no mesmo instante em que são experimentados, com a lucidez de que o fim chegará. Compreender também a sua partida, e deixar a onda passar na forma tão natural como veio.


texto de: Lediana Aquino
lido por: Lediana, Guilherme, Joana e Marília
na roda de: 12/05/2007

Sunday, May 13, 2007

Um jazz - ao sr. Bechet tocando.

Deslizou passo a passo na calçada ao som do jazz, sabia que devia chegar ao teatro. Haviam marcado, o show era cedo e dessa vez tão, mas tão importante, que tivera medo. Arrumou o violoncelo, afinado a custo, e não resistiu a uns goles e copos: bebeu pra relaxar e acabou indo naquele estado. Deslizando passo a passo, sabendo já de antemão do atraso óbvio, talvez pusesse tudo a perder. Mas não: ligaria e diria “façam sem mim”. Claro. E assim perdia o emprego.

Nervoso, bebia mais. E o jazz, meu Deus, o jazz era o delírio, queria tocar a peça o quanto antes, mas e se errasse algo? Estariam todos lá. Pensava, no entanto, que a luz, aquela luz, sempre o cegava. Que diferença, não via ninguém, e aí tinha um risco: se perdesse a marcação, não veria mais nada, nenhum dos companheiros. Em seguida, pensava que bobagem, “um músico experiente, tantos espetáculos, ensaios todos os dias, não tem nada a dar errado”.

E deslizava uns minutos confiante, até perceber que não sabia mais aonde ia. A mulher, antes de deixá-lo noite passada, sentenciara exatamente isso, que ele, o grande músico, já não sabia mais. Aonde ia, o que queria, o que dizer. Frases cruéis ela dissera, ele fingindo não ouvir. Antes ainda de fechar a porta, ela arriscara uma frase de efeito (e, ele observou, “mais sem jeito que a porta”),

- Aprenda a perder pra não perder a si.

Continuou fingindo até dormir. E dormiu sem sonhos.

Acordou sem a mulher do lado e, riu, “sem a mulher, mas com uma senhora ressaca”. Como de hábito, ainda sem comer, foi tocar. Sabia que a mulher (como a chamaria agora? Ex?) tinha razão: ele emagrecia progressivamente e só as olheiras prosperavam. Nem a barba lhe crescia mais, os cabelos caíam ralos. Apesar de bom músico, todos sabiam, não recebia mais propostas nem idéias bonitas dos amigos. Eles tinham medo das constantes neuroses do artista.

Neurose, repetia, fora isso o que dissera a analista. E grande coisa, pensava, naquela roupa sufocada, louca era ela, julgando por detrás dos oclinhos meio mundo a desocupada... E fora embora, ignorando mulher, analista, remédios e recomendações, tinha mesmo um grande espetáculo a montar. Tinha? Há quase um ano sem apresentar-se, mas ninguém precisava saber.

Pensava nisso esparsamente ao deslizar. Vontade de deslizar-lhe os dedos pelas cordas que nem Charlie Parker domava o sopro, ah, o Bird! Quem dera ter tocado com ele, sonho antigo. “Morreu dois anos antes de eu nascer, devia ter me esperado”.

Bessie! Meu Deus, estava ficando louco? Tocavam Bessie na esquina, então o mundo tinha jeito (e o som da esquina, num posto, era qualquer coisa menos jazz). Um mendigo pediu dinheiro, ele sorriu e, estando tonto, sentou-se de qualquer jeito, tomando só o cuidado com o querido amigo – a caixa tinha que estar intacta, guardava-lhe a alma.

- Você ouve, ouve?

O mendigo não responde, se não tem dinheiro nem comida, ele pensa, “sai do meu caminho, ô seu doido”. Doido, pensa ainda, pra estar de terno e sentado na lama. E, em seguida, “se é doido...” e já calcula as vantagens.

- Escuta, você sabe onde fica aquele teatro?
- Tem teatro aqui não, meu chapa.
- Não?!

Mas ele já sabia. Não queria mais chegar, queria só acompanhar a Bessie. Tonto, sim; doido, não. Se pensavam que ele não podia, veriam já. Ele, o grande, levantando da calçada e subindo ao palco.

- Ora vejam. Nunca vi público maior, perdi até o medo.

O mendigo ria do homem falando sozinho, ainda mais que descobrira com ele uma garrafa e aquela já era sua – ao menos isso.

E o senhor músico, diante do público, sacou da sua arma, ajeitou a flor na lapela, um “Boa noite, Bessie”, pôs-se na melhor posição que pôde e tocou finalmente a sua música. Sua última música.


texto de: Marília Passos
lido por: Marília e Ary
na roda de: 12/05/2007

ARQUEOLOGIA

Havia aqui com certeza
uma consciência
,poderíamos dizer assim
desse modo,
no uso do espaço.

A estrutura
(em verdade um grande compartimento
em que se ramificam
outros três)

parece que abrigou seres vivos.


texto de: Ary Salgueiro
lido por: Ítalo
na roda de: 12/05/2007

LACUNA

Os inocentes foram os primeiros a descobrir o mal,
a criar o mal.
Porque nada surge
de ausências
e porque não é ausência
a omissão, a passividade,
em suma, qualquer ausência.

E decobrir, criar, o mal
é uma questão de esperar e só esperar.

Porque também o vácuo não existe
e não há qualquer espaço que um sentimento humano
não preencha na ausência de outro.


texto de: Ary Salgueiro
lido por: Alan
na roda de: 12/05/2007

Tuesday, May 08, 2007

Reformas no PML Textos

Esse blogue é o registro dos textos que são lidos nas Rodas de Leitura organizadas pelo grupo Por Mais Leitura no saguão da Biblioteca Leonilson, no Centro Cultural Dragão do Mar de Fortaleza. Para informações sobre a programação: http://www.dragaodomar.org.br/index.php?pg=p_literatura.

Digo isso para justamente para informar que em breve o PML Textos deve passar por uma grande e ampla reforma. Mais do que um mero registro do que acontece nas Rodas de Leitura da Leonilson, queremos inauguras aqui um novo espaço e uma nova dinâmica para a leitura. A idéia é que se crie uma Roda de Leitura Virtual, e por isso até mesmo o nome do blog e o endereço devem mudar. Em vez de PML Textos, teremos a Roda Virtual.

E qual seria a diferença, afinal? É simples, em vez de serem publicados apenas os textos que já foram lidos na Roda convencional, queremos que as pessoas enviem textos próprios e se leiam. Só que há uma pequena exigência para que você tenha seu texto postado: para isso, é preciso primeiro ler o texto dos outros. E como teremos controle disso? Bom, pra registrarmos que você leu, somente através de um comentário relevante no texto de outro autor. Não precisa ser algo muito elaborado, mas não vale um simples ''gostei'' ou ''legal''. É preciso mostrar que você prestou atenção ao texto e fazer comentários sobre o tema, o estilo, o que gostou, enfim, dar um feed back, fazer uma crítica, elogio, etc. Não precisa comentar em todos, é claro, pois teremos muitos textos aqui em breve, então opção não vai faltar.

O primeiro texto que vai ser postado será o de alguém que já tenha participado da Roda ao vivo, para que seja justo. Em seguida, as outras pessoas, mesmo que não tenham participado nenhuma vez do encontro, vão poder enviar seus textos para o e-mail rodavirtual@gmail.com. Caso o autor tenha comentado em algum texto(o primeiro a ser postado ou os demais que já estão aqui), será devidamente colocado no blog, quando terminada a reforma!

Saturday, April 21, 2007

16º Encontro Por Mais Leitura

Estivemos no bat-local da Biblioteca Leonilson no dia 14 último, realizando nosso ritual sagrado da leitura dos textos: dessa vez de textos próprios.
Foi um dia ótimo, porque vieram várias pessoas novas, dentre elas aCarmélia, a Joana, o Danilo o João, um psicólogo bem legal que apareceu :)

Esclareço que nesses dias de textos próprios, gostaríamos que as pessoas nos disponibilizassem seus textos pra postarmos por cá, senão ficamos sempre só na citação do título, e inacessíveis aos interessados em conhecer.
Lemos os seguintes textos:

1. três poemas de Ítalo Rovere, sobre Fortaleza, lidos por ele mesmo;
(cujos títulos ele não nos disse, talvez por inexistirem, mas muito bom poemas)

2. "O que há por trás da tua árvore ou um par de sapatos para Antero Quijana",
conto inédito de Carmélia Aragão e lido também por ela;

3. dois poemas do Henrique: um soneto e um verso-livre, lidos por ele mesmo;

4. um poema do Levi, recitado de memória por ele mesmo,
uma brincadeira com Fernando Pessoa;

5. Sonho em forma de conto por Ítalo Rovere;

6. "céu acrílico de azul piscina", de Bruno Reis, por ele mesmo;

7. duas cartas (sem título) de Marília Passos, lidas por ela;
(minhas cartas eu posso postar aqui,se for o caso e alguem quiser, mas reitero meu pedido de, quando for na proxima roda autoral, haver essa disponibilização por parte dos autores)

abraços,
e até dia 28: dessa vez com um tema, "A cidade" :)

15º Encontro, roda de Leitura do dia 24/03 =)

Infelizmente esse eu perdi, por isso não posso fofocar dos detalhes que lá houve nesse dia. hehehe Soube apenas que foi incrivelmente bom, por isso lamento sempre quando perco. Mas cá está a lista dos textos que lemos:

1.Autor: João Cabral de Melo Neto
Livro: Sevilha Andando
Texto: Viver Sevilha
Estilo: poema
Quem leu: Ary

2.Autor: Carlos Drummond de Andrade
Livro: A Rosa do Povo
Texto: Movimento da Espada
Estilo: poema
Quem leu: Alan

3.Autor: Fernando Sabino
Livro: No fim dá certo
Texto: Assalto em regra
Estilo: crônica
Quem leu: Lediana

4.Autor: Carmélia Aragão
Livro: Eu vou esquecer você em Paris
Texto: 12.224
Estilo: conto
Quem leu: Alan

5.Autor: Ana Cristina César
Livro: ??? (Lara trouxe o texto copiado a mão)
Texto: (Sem título)
["Essa é a última vez que te passo cola (...)"]
Estilo: poema
Quem leu: Lara

6.Autor: Antísthenes Pinto
Livro: Terra Firme
Texto: Capítulo 6 ["Jumas espichado no Japá (...)"]
Estilo: Romance (trecho)
Quem leu: Aníbal

7.Autor: Clarice Lispector
Livro: ??? (Levi trouxe o texto decorado)
Texto: ??? (Algo sobre tempo...)
Estilo: poema em prosa (ou prosa em poema?)
Quem leu: Levi (na verdade, ele declamou)

8.Autor: Lygia Fagundes Telles
Livro: Oito contos de amor
Texto: A chave
Estilo: conto
Quem leu: Bruno

[marília]

Friday, April 20, 2007

Esclarecimentos outros

Comunicamos que postaremos nos próximos dias, os textos que faltam do penúltimo e o do último, que já estão comigo.
Agilizaremos, sim, senhor, e sempre que ocorrerem as rodas, já no outro dia teremos como disponibilizá-los por cá: sobretudo se as pessoas nos repassarem os textos antes de irem lá ler :) o que é plenamente viavel,

nosso email é:

pormaisleitura@yahoogrupos.com.br

Estamos organizando os textos - que não são poucos, glória e amem =D - e postaremos sim.
Aproveitando pra informar que estamos fazendo o site e em breve tudo isso será centralizado ^^ por ora, estamos em:

este blog dos textos, onde realmente só postamos textos que lemos nas rodas.
http://pormaisleitura.blogspot.com - blog-mãe ou informações gerais sobre o PML
http://www.fotolog.com/pormaisleitura
http://www.orkut.com/UniversalSearch.aspx?q=%22http%3A%2F%2Fwww.orkut.com%2FCommunity.aspx%3Fcmm%3D13497198%22 - nossa comunidade



Um abraço pmlístico a todos,
e que haja muito esse pensar de Por Mais Leitura no mundo =)

Monday, March 12, 2007

14º Encontro

Sábado, 10/03/2007, a roda de leitura foi de textos autorais. Os participantes que trouxeram seus textos leram em seqüência lúdica. Outros apareceram apenas para ver, ouvir e apreciar.

Entre um texto e outro, tivemos também algumas histórias de viagens relatadas pelo poeta Ítalo Rovere.

Sempre deixamos a primeira leitura para os novatos. E nesse dia, contamos com o estreante Guilherme Linhares cujos textos iniciaram a roda, com os demais autores apresentando-se em seguida:


1. Marília leu o texto de Guilherme: (RE) (DES) ENCONTROS

2. Guilherme e Lara leram HORIZONTE, o 2º texto de Guilherme

3. Ítalo leu e interpretou o seu TATO AMARELO, que além de poesia é também cores e imagens, cada estrofe é uma página ilustrada do livreto. Aqui reproduziremos apenas o texto. As imagens ficarão para os curiosos buscarem com o autor...

4. Levi trouxe e leu 3 de seus poemas: A CIDADE; DE TEMPOS EM TEMPOS e AMORES URBANOS

5. Aníbal trouxe uma prosa - A MENINA VIROU MULHER - inspirada numa experiência pessoal, narrada antes de iniciar a leitura.

6. Marília leu o texto PREFÁCIO, de sua autoria, fazendo-a ainda mais transparente perante todos nós.

7. Encerrando a roda, Bruno trouxe o texto ELE NÃO SABE TOMAR SORVETE, de sua autoria.

Nos posts abaixo, seguem alguns textos apresentados.

Saturday, March 10, 2007

Tato amarelo

De: Ítalo Rovery
Quem leu: o próprio












De: _________
Para: ________
Para mudar o mundo o amor de todo mundo

TATO AMARELO
ítalo Rovere

Tudo isso
foi no escuro
da noite

para quê refletores?
Vamos fazer a nossa própria luz

Teu calor
Teu jeito
Concentrado
Disfarçado

chamou-me a atenção

Fui embora
e nem te disse
que fui embora

Eu fui embora!
Por que? Não sei!

Não quero pensar que fui embora
Prefiro pensar em te encontrar nova(mente)

Ver-te
Falar contigo

Como se tu
me conhecesses
de antes
de beijar minha boca

E ao meu ouvido tivesses dito
O meu olhar viu o teu

Eu te vi
Tu me viste
Tu me fazer ver
Tu és o amor

ADEUS

Estou partindo em pedaços
Porque não sei quem és tu

Eu te via
Tu me vias?
Eu não sei

Senti-me
Visto por ti

Coloquei a máscara da minha nudez
Estava com os pés em cima do risco

Tu és a pureza
Tu és a beleza

MAGIA

Teu tato
vai ficar gravado
feito gramática
sei lá

Foi só um relâmpago
em uma noite
perdida
do tempo

No meio
da multidão
absorvida
pelo barulho
das vozes e do som

Subi
ao céu
sozinho

Por que
não vens
até aqui

No meu coração?

Eu
te
sinto

O teu tato é amarelo assim como o sol
Se for falar do teu brilho
Então nem pensar

Porque não teria fim.

Te vendo

Não há
por que
saber
teu nome

É teu
o olhar
que olha
para o meu?

No meu coração
tua existência
faz-me feliz

Mesmo sem falares comigo
e sem saberes meu nome
vou continuar a ver-te

Como foi bom ver-te tão leve
Pensei que fosses me levar...

Qual é a tua cor?
Quero saber de ti...

Tua face
estava lavada
tinha brilho
tua pele
reluzia
luzia
luz
ia

Para onde ias?
Eu não te via
E te procurando
Vagava no teu mistério

Te
Vi

Te
Vi

Te
Vi

Esqueci de mim

Ali
Ali
Ali

Te
Vi
Te

Vi
Te
Vi

Tu estás onde não te esqueci

Não quero te esquecer
Vou te guardar.

A cidade

De: Levi Teixeira
Quem leu: o próprio

A cidade devora com tanta voracidade os meus dias,
que eu acho que ainda nem digeri minha infância.

Amores urbanos

De: Levi Teixeira
Quem leu:
o próprio

(a Fátima Muniz)

Os gritos,
urros,
gemidos de dor...
das cores da cidade grande
anunciam um fúnebre ritual
de mais um dia.

Enquanto uma voz doce, ultravioleta,
em meio a essas cores berrantes,
ecoa...
fluindo como gotas de poesia
nos meus ouvidos.

E essas palavras, a conta gota,
formam um grande oceano,
um belo poema,

onde mergulham meus sentidos
e afogam-se meus pensamentos,
até chegarem as profundezas:
o mais profundo silêncio...
dos meus sonhos.

De tempos em tempos

De: Levi Teixeira
Quem leu: o próprio

O dia ainda nem raiou,
mas o horizonte já exala suas nuvens de fumaça,
que se esvoaçam...
revelando, aos poucos, o brilho do metal adormecido.

E o tempo, aquele velho ferreiro,
inicia suas marteladas diárias.

Com o advento das metalúrgicas,
os poetas se perguntam:
- e agora onde estará o velho ferreiro?

Prefácio

De: Marília Passos
Quem leu: a própria

Não quero limites ou fronteiras, tentar sorrisos, ser conceitos. Dizer inteiro, sonhar tão pouco, dormir tampouco, quero ser brisa, quero silêncio, sem intento, verdades em partes, repartes comigo, sem seres abrigo, te peço um segundo e peco, um mundo, mas seja.

Que seja, eu seja, me beija, o agora demora: faça. Mas não faça, desfaça, pessoas troque, revolte, volte, toque, me veja, destrua, tão nua, se nua, tão seja.

Não quero o querer repetido, quero o início do que não veio, quero o abraço apertado não esperado, a palavra que em si surge, bonita. Se triste, que insiste,o insistir fato não mais, QUERO MAIS, QUERO MENOS.

Esperei o pôr-do-sol do domingo, tão lindo, ao teu lado, um encanto, tão tanto, o hoje, no entanto, é tamanho, sem limitações. Mão e luva, luva e mão, na canção, poesia; no meu dia, redenção. Amei a lua da semana, mas sempre um desencontro, certas coisas parece verei tão tarde, que invade, invade, não sei mais do querer.

Que mãe, quero mais, quero menos. Liberdade na ilusão, ilusão que em si não cabe, mas fale – cale -, declame, possessos leiamos, vivamos, sejamos, eu ao menos viver um tanto. Vir comigo querendo consigo, consigo outro céu outra lua outro sol outrossim, sem tu sem mim, sem eles: assim.

Pai, não é isso, tudo aquilo e nada disso, transbordo, transporto, transcendo, trazendo – um sempre – sorriso. Admiração, espanto, olhar o manto que parece encobrir. Encobrir o quê se tudo vago, até o fato, o fosco e o exato, o tanto O PARCO, vago, vaguidão: embriago, solidão.

Tantas coisas em minha cabeça, tantos tantos sem um lugar, tão lugares sem me saber e, me sabendo, o que fazer? Ai, que engano, tão vivo, meu tanto, meu sempre, meu sigo, AMIGO, por que vais? E, se vais, dorme cedo, é segredo, é paixão. Paixões não dormem cedo, É engano, dormem cedo e acordam cedo, um turbilhão, Juras, Precisas, Não.

Pensei, falei, provei, te dei, cantei, tomei, calei, mas calei porque calar é um canto-ponto. É uma aresta, como uma cesta e, se não me entendes, uma pena, já te quis de uma forma tamanha, Não mais, tu me perguntas, mas não te respondo, ao menos se digne a procurar uma resposta. Abra a porta, veja o que dizem, relute o que fazem, resista ao que tentam,

Não quero querer de velho, quero o novo, o estrondo, o sufoco, como um louco, um poeta, um possesso; o INVERSO de tudo e do verso; não me caibo, eu tão laico, quero TANTO. O querer que me liberta me sufoca, que escolha, quero todas. Vou viver, que a vida, não sendo isso, aquilo também não é.

Quero viajar e levar alguém no colo, quero um alguém que não seja mau, QUERO EU, quero quero, belo belo, será tenho tudo o que quero? E o Mestre não quero amar não quero ser amado, não quero combater não quero ser soldado: porque as leis não bastam, os lírios não nascem das leis.

Quero cada sorriso, quero cada criança ao cantar a esperança, quero a lágrima e a dança: poesia, teatro! Quero a exclamação, o diverso, cada linha, cada flor, cada vinha, cada amor. Quero a música o beijo, o silêncio o desejo, a ilusão! O sonho, o concreto, o etéreo, o bonito e o feio, o começo e o meio, desse jeito.

De outros jeitos, quero saber, dizer, perguntar: ajudar, ser bem simples, singular, complexo, sendo o caso, não ligo, ABSTRATO. Quero, sincero, inventado, criado, sozinho, derivado, original, animal, consciência: razão, plurivalência. Sentido, vivido, causado, sofrido, cessado, solvido, calado, sumido.

Quero o não-querer quando chorar faço. Se faço, um pecado, quero querer amar sem o efó, mas não posso, e é o que dói. Dói-me o limite, mas tento, INSISTE, quero mais, quero menos.

O infinito impreciso, escrever numa calçada, beijar o beijo que recebo sem ganhar, ganhar desejo que eu recebo sem falar.

Do infinito preciso, confesso, quero ler como um possesso – escrever, ainda mais - , quero tanto e quero tudo, só não quero é ficar mudo, desse jeito

Continuo.

Ele não sabe tomar sorvete

De: Bruno Reis
Quem leu: o próprio

Epílogo:

Ele não sabia tomar sorvete
Ele não chupa a bala que vende
Ele não sabe quanto é
Ele não sabe quanto

Tinha receio, sem precaução,
Ele não podia ter!
Cedia ao desejo, de olho aberto
Não se priva, mas se sacia com parcimônia*

*Ele não sabe o que é parcimônia
Ele não deve saber! Ele não pode!

Ele não devia estar tão exposto
Sozinho no banco
Com as pernas balançando
Enquanto não sabe tomar sorvete

*Ele não sabe se desconcertar
E isso é de desmontar qualquer um...

Porém, ninguém se desmontou


Prólogo:


‘’Me deixa, me deixa ver se eu caibo no teu desconforto...’’


Enfim:

Escrevi há pouco tempo esse verso, tentativa de captura lírica de um incomodo qualquer: a identificação morna que senti ao presenciar cena de embaraço, instante fugidio de um qualquer alguém. Instante fugidio e banal, e digo banal de ‘’banalidade’’ mesmo, não por banalização. Um engancho na palavra que não desce à boca, um segundo de hesitação que cala a segurança, e o corpo todo se desencontra. E o incômodo a que me refiro não foi o dela, foi o meu, maior ainda, ao lembrar que normalmente me sentiria sensibilizado, mas ao contrário, havia em mim apenas uma indiferença obscena e indecorosa. Tentei sublimar isso escrevendo um apelo a mim para que tentasse sentir o peso de ser o outro. Lirismo cínico esse o meu.

Pois bem, voltando ao começo, e usando o verso solto de gancho pro meio: hoje eu coube. Em outrem, e mais do que eu imaginava. Esperava que o desconforto alheio fosse menor que o meu, que eu ficasse ridículo feito um adulto com roupa que encolheu, a calça virando bermuda, enfiada no meio das pernas. Ou que a vestisse feito uma caixinha de pano e papel, deixando meus braços de fora. Mas não. Ele me coube inteiro. Inteiro e com vazios, como todo desconforto deve ser. Estava ali, dentro de uma caixa sem gravidade sendo chutada em uma partida de futebol em câmera lenta.

O cinismo desprevenido que joguei sobre os outros cai agora sobre mim com peso o opaco do sarcasmo. Sarcasmo da vida. A consciência da repetição não diminuiu o estranhamento vazio em nada. Não me coube indignação, revolta, tristeza. Apenas o sentimento de esquisitice extrapolando, me negando a encarar a normalidade quase boa de tudo. Nesse momento, o desconforto me comporta todo. Sou eu sentado como criança num banco alto, balançando as pernas no ar que mal se move, comendo um sorvete sem saber como. Sou eu me apropriando das cenas que vejo, repetindo meu exercício narcisista de inventar tristeza alheia para dar vazão àquelas que eu não me lembro. Não quero achar explicação. Não quero que o leitor me dê nenhuma. Um desconforto é só isso, um encerramento claustrofóbico. De que, em que? Não sei. Não é retiro espiritual, é retirada do espírito, confiscado. Por que? Por quem?

Não posso fazer o sacrilégio de dizer alguma coisa.

Wednesday, February 28, 2007

13º Encontro

Foi no sábado, dia 24/02/2007, mais um encontro literário Por MAIS Leitura que aconteceu no mesmo local e horários habituais.

De diferente, tivemos a grande quantidade de participantes (efeito da propaganda que o folder do Dragão do Mar nos presenteou e dos inúmeros convites e divulgação boca-a-boca de nossa querida Marília Passos) e as inspirações dessas pessoas, cada uma mais variada que a outra.

O encontro gerou bons frutos e belos textos. O tema dessa vez foi a roda de leitura de textos não-autorais e o resultado é o que segue:

1. Antes mesmo da roda de leitura começar, Ítalo Rovere recitou um poema seu: Esperar Esperança, declamado para uma platéia de 30.000 pessoas, num evento público em Fortaleza há mais de 10 anos atrás.

2. Lara e Ary narraram o conto As ruínas circulares de Jorge Luís Borges.

3. Levi leu o poeminha A bem amada na praia, do livro Preparativos de viagem de Mário Quintana.

4. Ítalo lembrou outro poema de Mário Quintana, que começaria com "Faça uma espaçonave e leve seu amor daqui".

5. Alan trouxe o seu livro de Contos Cruéis, do qual pescou o texto Morte do ator Rubem Brandão, de Moacir Scliar.

6. Bruno e Diogo interpretaram um trecho do roteiro As três moças de sabonete, de Herbert Daniel.

7. Lediana e Lara escolheram poemas do livro Como no céu/ Livro de Visitas de Fabrício Carpinejar. Os poemas do livro não têm título. Foram apresentadas as páginas 9 e 15, respectivamente.

8. Finalizando o encontro, Ítalo puxou pela memória um poema de Rodolph Lang que começava com: “eles estão jogando o jogo deles”. Logo em seguida declamou um poema de sua autoria que começava com “há qualquer coisa que não sou e pelo visto deveria saber”.

Nos posts abaixo, temos alguns dos textos apresentados no encontro.

Boa leitura!

Saturday, February 24, 2007

Fabrício Carpinejar

Quem leu: Lediana
Livro: Como no céu/ Livro de visitas
Texto: [Sem título] pág. 9

Ela escolheu envelhecer comigo
Pode ter sido compaixão pela
minha falta de jeito,
acaso ou um acidente
dos cabelos lisos.
Ela escolheu envelhecer comigo.
Pode ter sido amor,
simpatia ou alguma perda
fora de mim
que despertou suas perdas.
Pode ter sido a idade que pedia um marido,
sei lá, o marido pedia uma idade.
Ela escolheu e aqui fez sua noite.
Suas mãos se toldam em uma tenda
quando alivia minha barba
de outros odores que não o seu.

Fabrício Carpinejar

Quem leu: Lara
Livro: Como no céu/ Livro de visitas
Texto: [Sem título] pág. 15

O mundo aparece demasiado explicado.
Teu jeito calado indica esperança,
mas quem diz que não é remorso?

Sou fiel aos hábitos; tu aos mistérios.
Não coincidimos nossa lealdade.
suporto, sobrevives.

O que adianta transbordar
se não dás conta do mínimo?
O que adianta me retrair
se não percebo o invisível?

Tuesday, February 06, 2007

Primeira leva de postagens: Encontro do dia 03 de Fevereiro

Aqui vai a leva de poemas(sim, porque dessa vez só tivemos poemas!) que foram lidos e discutidos na roda de leitura do Por Mais Leitura no último sábado. Serve aqui pra registro, tanto para quem não pôde ir poder ler quanto para quem quer ver de novo. Ah, e fora os poemas autorais, lemos alguns ótimos poemas do livro Nariz de Vidro, do Quintana. Com destaque para um poema metalinguístico, que o Quintana eu tenho certeza faria questão de postar para homenagear a exclusividade de poemas no encontro último.


OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Mário Quintana


Aí seguem os textos lidos:

Artista Autista

ARTISTA é aquele que, com suas mãos,
transforma a inspiração em
letras, cenas, cenários e coisas.
O ARTISTA canta para ser ouvido por todos.
Ele faz do mundo a sua moradia

AUTISTA é aquele que, sem usar as mãos,
transforma as letras, cenas, cenários e coisas
em sua própria inspiração.
O AUTISTA canta para ouvir-se internamente
Ele mora dentro de si mesmo

Tanta diferença!
O ARTISTA está livre
O AUTISTA é só
O ARTISTA é imortal
O AUTISTA já morreu faz tempo
E vive nos escombros de suas próprias paredes.
O ARTISTA destrói razões
O AUTISTA cria todas as outras.

Entretanto há algo em comum entre ambos:

Juntos se completam.
Sonham dentro desse paradoxo
Uma realidade que ambos querem alcançar.

Juntos amam tudo o que recomeça
O que se refaz
O que se reconquista
O que renasce
E se reintegra
E se reanima
Tudo o que é novamente novo

Juntos formam um só ser.
Um só poder de criação,
Um só perdão,
Um só coração.

Juntos vivem para transmitir
A mensagem que merece o seu nome:

“ESSE SOU EU
SOU UM ARTISTA AUTISTA!”


por Lediana Áquino

Dos quartos e Das penúmbras

Dos quartos e Das penúmbras olho languidamente;
Estática, vazia. Onde teus cílios já não mais me perfuram.
Mesmo quando o trem apita à meia-noite
ou o relógio badala o meio-dia;

-Meio-dia
-Meio-dia
-Meio-dia
-Meio-dia
-Meio-dia

Dos quartos e Das penúmbras,
encostada à parede,
trago a ausencia dos dias,
a ausencia de mim;
dos meus dias.

(Só no cair daentre-tarde-entre-noite
é que consigo juntar tuas bocas,
olhos e narizes, recortados e
espalhados pelo chão e teto.)

Dos quartos e Das penúmbras,
onde olho tuas fotografias que
descansam & dormem (cansadas)
pelo meu pisode azulejosbrancos.


por Jamile Fernandes Paiva

流れ/fluxo

ステ
ンフヲヤ
xフiCt

fleumática
por uma capa de peles
uma faca-carmim em um minueto


por Diogo Braga

Homem


Inédito:
Eis aqui o corpo e o sangue.


Exposto, erguido, pulsa
inteiro em iminência de combustão
profunda e espontânea.


Acorrentado em metros e metros de fios
ininteligíveis.


Se consome aos poucos e sem querer
reage
e quando quer não pode.


O maior espetáculo da terra
e único refúgio de tudo que não existe.

por Ary Salgueiro

resvaler

o sorriso opaco reflete
os estilhaços de uma fotografia amassada
olhos marejados
odor de máquina enferrujada
óculos empenados
aliança que tilinta e
escorrega
pelo ralo da pia
rotação em queda livre.
os eixos perderam-se
e o importante é permanecer.

por Thiago Fonsêca

Nasce um blog!

Mas não só mais um blog. Não, não. Esse blog será o registro dos encontros do já quase histórico grupo de leitura Por Mais Leitura. Aqui serão postados, inicialmente aqueles textos que são lidos e discutidos na biblioteca leonilson, à cada quinze dias, no Centro Cultural Dragão do Mar. Separado do blog-mãe(www.pormaisleitura.blogspot.com), que se encontra um pouquinho parado mas logo volta a andar também. A postagem deverá ser mensal aqui, acompanhando os encontros autorais que vão ocorrer. Provavelmente vai acontecer o registro daqui que for lido nos encontros não-autorais, mas não os textos na íntegra.

Vamos lá :)