Thursday, June 07, 2007

Decameron - Giovanni Boccaccio

( Fragmento )

O monge viu uma jovem lindíssima, filha , talvez , de algum dos lavradores da região . A jovem estava apanhando algumas ervas nos campos . Assim que o monge a viu, sentiu-se acometido pelo interesse carnal . Por esta razão , acercou-se mais da jovem e travou conversa com ela . E tanto saltou de uma palavra a outra , que terminou por firmar um acordo com ela . Por esse acordo firmado, levou-a à sua cela , sem que ninguém o percebesse. Instigado por um desejo excessivo , brincou com ela , e de um modo menos cauteloso do que seria conveniente .

Sucedeu que o abade do mosteiro , deixando a sua cama , onde dormira, e passando, sem fazer ruído , em frente à sala do tal monge , escutou a barulheira que ele e a moça faziam. Para identificar mais precisamente as vozes o abade chegou bem próximo à porta da cela. Notou sem nenhuma dúvida , que havia uma mulher lá dentro. Sentiu-se tentado a ordenar que se abrisse a porta. Entretanto , pouco depois , julgou que seria mais conveniente agir de outro modo , em semelhante caso . Retornou ao seu quarto e aguardou que o monge deixasse a cela .

Apesar de ocupado com a jovem , e ainda que gozasse enorme prazer , o monge não deixou de desconfiar de algo ; a certa altura , tivera a impressão de ouvir um arrastar de pés , pela ala dos quartos de dormir. Por essa razão , olhou através de pequeno orifício e viu que o abade ali estava, escutando. Entendeu, perfeitamente , que o abade devia saber que a jovem estava em sua companhia . Reconhecendo que , por essa razão , seria punido com grave castigo , mostrou-se profundamente aborrecido . Contudo , sem deixar que a moça percebesse a sua contrariedade , buscou em sua mente algo que o auxiliasse a escapulir daquela enrascada . Finalmente , ocorreu-lhe uma artimanha, que calhava bem a esse fim. Daí, fingindo já ter ficado o suficiente em companhia da jovem , disse-lhe:

– Quero achar uma maneira de você sair daqui de dentro sem que a vejam; assim sendo, fique aqui mesmo , calmamente , até que eu regresse.

Deixou a cela e trancou a porta com a chave . Encaminhou-se diretamente para a cela do abade, dando-lhe a chave , conforme a tradição, quando se ausentava do mosteiro. Disse, então, com expressão tranqüila e amiga :

– Senhor abade , não pude, esta manhã , ordenar que trouxessem ao mosteiro toda a lenha que pude arranjar ; por esta razão , com sua permissão , desejo ir ao bosque , para mandar que a tragam.

O abade , desejando informar-se por completo com relação à falta praticada pelo monge , ficou satisfeito com o seu modo de agir . Recebeu a chave e deu ao monge permissão para ir ao bosque . Ficou convencido , como se percebe , de que o monge nada sabia do fato de ele , abade , ter ficado escutando à porta de sua própria cela .

Bastou o monge se retirar, o abade procurou resolver o que seria mais certo fazer , primeiramente : abrir-lhe a cela , na presença de todos os monges do mosteiro , para que ninguém pudesse apresentar razões de queixa contra ele, no momento em que pela sua autoridade abacial castigasse o monge pecador , ou escutar, primeiro , da jovem mesma , a sós , como se passara o caso . Cogitando, entretanto , que a jovem pudesse ser esposa ou filha de algum homem que ele não gostaria de fazer passar por essa vergonha , decidiu que o melhor seria tratar , primeiramente , de saber quem era aquela moça para depois resolver o que faria. Silenciosamente , dirigiu-se para a cela do monge ; abriu a porta ; entrou e fechou-a por dentro , naturalmente . Vendo entrar o abade , a moça ficou desconcertada . Cheia de vergonha e de medo , pôs-se a chorar . O senhor abade olhou-a por muito tempo ; vendo-a tão bela e sensual , sentiu inesperadamente , ainda que um tanto idoso , os apelos da carne . Eram apelos não menos ardentes do que aqueles que sentira o jovem monge . E a si mesmo começou a dizer :

– Enfim , que razão há para que eu deixe de desfrutar um prazer, quando posso desfrutá-lo, se, por outro lado , os aborrecimentos e os tédios estão sempre preparados para que eu os prove, queira ou não ? Aí está uma bela moça, sem que nenhuma pessoa , no mundo , saiba disso. Se posso fazer com que me proporcione os prazeres pelos quais anseio , não existe nenhuma razão para que eu não a induza Quem é que virá a saber disto? Ninguém nunca o saberá! Pecado oculto é pecado meio perdoado. Um acaso destes quiçá jamais venha a se verificar de novo . Julgo ser conduta acertada colher o bem que Deus Nosso Senhor nos envia.

Assim refletindo, e tendo modificado inteiramente o propósito pelo qual fora até ali , acercou-se mais da moça . Com voz melíflua , pôs-se a confortá-la e a pedir , com instância , que não chorasse. Palavra puxa palavra , até que ele chegou ao ponto de poder evidenciar à moça o seu desejo . A jovem , que não era construída de ferro nem de diamante , atendeu, muito cômoda e amavelmente aos prazeres do abade . O padre abraçou-a, beijou-a muitas vezes , seguidamente , atirou-se com ela na cama do monge . Seja por enorme consideração , ou ao venerável peso de sua própria dignidade , ou pela idade tenra da jovem – seja, então por recear causar-lhe mal , pelo seu excessivo peso –, o abade não se pôs sobre o peito da moça. Antes, colocou-a sobre o seu próprio peito. E, durante muito tempo , entreteve-se com ela .

O monge , que havia fingido ir ao bosque , mas que , na verdade , escondera-se na ala dos dormitórios , viu quando o abade entrou em sua cela . Assim , completamente tranqüilo , compreendeu que seu plano dera resultado , ao perceber que o abade trancara a porta por dentro. Deixando o seu esconderijo , silenciosamente foi até o orifício da fechadura, através do qual viu e ouviu o que o abade fez e disse.

Quando pareceu ao abade que já se demorara o bastante em companhia da jovem , deixou-a trancada na cela , e retornou ao seu quarto . Passado algum tempo , ouvindo que o monge chegava, e pensando que ele regressasse do bosque , decidiu censurá-lo e mandar que o prendessem no cárcere ; assim procedendo, pretendia ficar sozinho na posse da presa conquistada. Ordenou, portanto , que o monge viesse à sua presença. Com o rosto severo e com graves palavras , censurou-o, mandando que fosse conduzido ao cárcere . O monge , sem nenhuma hesitação , retrucou:

– Senhor abade , não estou, ainda , há tempo bastante na Ordem de São Bento para conhecer todas as singularidades de sua disciplina . O senhor não me mostrara ainda que os monges precisam fazer-se mortificar pelas mulheres , assim como devem fazê-lo com jejuns e vigílias ; agora , contudo , que o senhor acaba de mo demonstrar , prometo-lhe, se me conceder o perdão por esta vez , que nunca mais pecarei por esta forma ; ao contrário , procederei sempre como vi o senhor fazer .

O abade , como homem astuto que era , reconheceu logo que o monge não só conseguira saber a seu respeito muito além do que o suposto , mas ainda ver quanto ele fizera. Por esta razão , sentiu remorsos pela sua própria culpa ; e ficou vexado de aplicar ao monge o castigo que ele , tanto quanto o seu subordinado , merecera. Deu-lhe o perdão , mas impôs-lhe silêncio sobre quanto vira . Depois , levaram ambos a moça para fora do mosteiro ; e, mais tarde, como é fácil de se presumir , inúmeras vezes a fizeram retornar ali .

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