Haviam se separado recentemente. Naquele extremo de investimento emocional em que viviam, os dois jamais conheceram uma rotina minimamente estável: a estória obedecia às efemeridades de uma paixão intensa, faziam sexo e juras de amor e desbancavam para conflitos copiosamente destrutivos. A relação era uma violência só: verbal, física e sexual. Havia um contrato a fim de rejeitarem categoricamente a placidez de um amor terno. Se a coisa acabasse nesse patamar, achavam que o vínculo que sustentava os dois naturalmente ruiria. Pra não verem isso acontecer se separaram. É assim que almejavam levar a relação: como reféns de um desejo maior que eles. Além da porralouquice afetiva compartilhavam outro dado em comum essencial para compreensão de ambos: o amor pela literatura. Na hora dos embates, um jorrar sem fim de citações de Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Dostoievski entre outros cânones. O falatório próprio dos dois já era impregnado de um vocabulário cheio de erudições e esteticamente impecável. Presenciar uma briga era como assistir à uma peça de teatro. Àquela tarde, exercendo a aptidão de leitores ávidos estavam na maior livraria da cidade, uma construção de dois andares que configurava-se em um deleite para as duas criaturas perderem-se no meio de tantos títulos a disposição. Nesse dia, após umas duas horas de perambulações decidiram levar “Pergunte ao Pó” de John Fante, que há muito estava fora de catálogo e fora lançado recentemente. Uma estória de amor encharcada de conflitos e doação afetiva, que tem como protagonista um escritor que busca colocação no mercado. Quando ele chegou à fila carregando seu exemplar, a moça que estava a sua frente desiste de ficar ali, revelando sua ex situada mais adiante. Os dois olham imediatamente para o livro que cada um trazia, deixam cair com o susto, e praticamente fazem amor no meio da multidão.
texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07
texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07
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