Tuesday, June 12, 2007

Uma lenda chamada Samantha

Samantha começou cedo sua vida sexual desbragada (parece que os pais intuitivamente já anteviam o futuro para a filha, escolhendo um nome de batismo apelativo como esse). Ficava sozinha em casa já pelos dez anos, e os garotos batiam ponto todo dia à tarde na residência. Como seus pais levavam a chave, ela ficava trancada e punha sua bunda e bocetinha atrás das grades do quarto para eles bolinarem, após escalado o muro. Tirou seu cabaço por ali mesmo, trancafiada no quarto tal qual uma presidiária. E nunca teve necessidade afetiva de estar mais reservada com alguém especial, sempre quando trepava era no meio de um coletivo de pelo menos dois rapazes. A sua sexualidade sempre foi exercida na forma de suruba, um exemplar da devassidão, da luxúria extrema. Foi natural perceber que seu maior trunfo para se colocar no mercado haveria de ser através do sexo, a única coisa para qual tinha vocação, pois parou de estudar ainda no primeiro grau e não conseguia disciplinar-se em nenhuma rotina empregatícia. Foi lá naquela agência condicionada pelo anúncio suspeito que vira nos classificados, e o recrutador deu a entender que poderia facilitar-lhe as coisas, caso a mesma colaborasse. Disse que só com uma condição: não fazia sexo de uma maneira monogâmica, portanto teria que chamar mais pessoas. Não acreditou no que ouviu, mas pagou pra ver, chamando outros empregados que estavam disponíveis. Samantha fez jus a sua condição de tarada proporcionando prazer à todos. Havia ali uma estrela, antes de participar de alguma película. A sua primeira cena foi com cinco rapazes, tendo um desempenho melhor do que qualquer contratada da companhia. Na segunda encarou o dobro de parceiros, e na terceira o contingente populacional batia na casa dos vinte. Não dava pra acomodar a sacanagem na sala apertada do estúdio. O jeito foi alugar um galpão, o que daria um aspecto ainda mais hardcore a cena. A puta encarou todos. O diretor fez uma exigência, a fim de tornar aquele filme um marco da pornografia: os rapazes teriam que segurar a ejaculação, pra depois gozarem todos juntos no corpo da atriz. E foram então vinte cacetes vomitando porra ao mesmo tempo. Ela acabou desaparecendo sob o fluxo caudaloso e nunca mais foi vista.


texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07

Pulsões Literárias

Haviam se separado recentemente. Naquele extremo de investimento emocional em que viviam, os dois jamais conheceram uma rotina minimamente estável: a estória obedecia às efemeridades de uma paixão intensa, faziam sexo e juras de amor e desbancavam para conflitos copiosamente destrutivos. A relação era uma violência só: verbal, física e sexual. Havia um contrato a fim de rejeitarem categoricamente a placidez de um amor terno. Se a coisa acabasse nesse patamar, achavam que o vínculo que sustentava os dois naturalmente ruiria. Pra não verem isso acontecer se separaram. É assim que almejavam levar a relação: como reféns de um desejo maior que eles. Além da porralouquice afetiva compartilhavam outro dado em comum essencial para compreensão de ambos: o amor pela literatura. Na hora dos embates, um jorrar sem fim de citações de Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Dostoievski entre outros cânones. O falatório próprio dos dois já era impregnado de um vocabulário cheio de erudições e esteticamente impecável. Presenciar uma briga era como assistir à uma peça de teatro. Àquela tarde, exercendo a aptidão de leitores ávidos estavam na maior livraria da cidade, uma construção de dois andares que configurava-se em um deleite para as duas criaturas perderem-se no meio de tantos títulos a disposição. Nesse dia, após umas duas horas de perambulações decidiram levar “Pergunte ao Pó” de John Fante, que há muito estava fora de catálogo e fora lançado recentemente. Uma estória de amor encharcada de conflitos e doação afetiva, que tem como protagonista um escritor que busca colocação no mercado. Quando ele chegou à fila carregando seu exemplar, a moça que estava a sua frente desiste de ficar ali, revelando sua ex situada mais adiante. Os dois olham imediatamente para o livro que cada um trazia, deixam cair com o susto, e praticamente fazem amor no meio da multidão.

texto de: Guilherme Linhares
lido por: ele mesmo
na roda de: 09/06/07

Saturday, June 09, 2007

Pecado


- Perdoe-me, Padre, pois eu pequei.

A voz baixa e suave entrava pelo confessionário como se a luz se responsabilizasse por sua entrada quente, morna e delicada.

- Pode falar, filha.

Começou a denunciar-se, os olhos estavam cobertos por óculos escuros. Se estavam cerrados ou arregalados não se sabia.

Cabelos louros, quase ouro, lábios grossos e vermelhos, pele lisa e branca. Pura como a sociedade lhe fizera.

Andava calmamente, não como sempre. Precisava apenas de uma tarde diferente, sem namorado, família, trabalho ou amigos. Voltava-se mais pra si, o tempo necessário para o ego.

Foi ao cinema. Não sabia a que filme assistir, mas foi. Comprou o ingresso. Seção das 15, mas eram 13 e trinta. Então decide percorrer pelo salão do museu e de seus pensamentos. Os quadros não lhe interessavam, estavam longe de seu entendimento ou de sua vontade de entender algo naquele momento. Brincou com seu crucifixo enquanto caminhava, acariciava cristo, isso a entretia.

Olhou para o lado, quando estava se distraindo em desperceber as obras plásticas do famoso artista do Irã.

Encontrou um gesto gentil, quase obrigatório de uma atendente.

Cabelo curto, vermelho, óculos pequenos para não esconder a beleza do rosto.

Deveria ser de prache.

Passou por ela com um andar que atrai desconsertos a olhos desacostumados com o lampejo da carne. Andava como quem pedia... E gravava-se na memória.

Continuou a andar.

Pensa em coincidências e destino, aquela fraqueza dos seres humanos ao tentar ratificar o tesão.

Agora estão a se vigiar.

Informações são dadas a qualquer visitante que se interesse em obtê-las

A conversa acontece.

Arte, filosofia, sorriso, cinema, gesto delicado no cabelo, sociedade, umedecimento de lábios, câmeras, mãos na nuca, discrição.

Quando não, já estavam a percorrer uma escada circular que as levasse para baixo. Sem câmeras (olhos mecânicos) nem indiscrição.

Cabelos soltos, bocas vorazes, mordidas de leve, respiração forte, blusas abertas, seios sensíveis, pele lisa, pêlos ralos, cheiro louco, língua voraz, salgado gostoso, mordidas safadas, mãos ágeis, sussurros roucos, dente, batom, espelho, contentamento.

Volta a encontrar a escada e percorre o caminho de volta, sozinha, apenas com um sorriso safado na boca.

Entra no cinema. Fica de frente à tela. Luzes alternam entre falas distantes.

Nada importa.

- Fui animal confesso e sei que isso não devia ter acontecido.

Correm lágrimas de seu olho e sua fala é fragmentada.

- Perdoe-me... Padre, pois eu pequei.

Após o relato o padre ficou ali, ereto. Os pensamentos voavam. O padre não estava mais lá, só restou o homem.


texto de: Márcio Araújo
lido por: Márcio Araújo
na roda de: 09/06/07

Thursday, June 07, 2007

Tema do Mês : Sexo e literatura

Segue-se abaixo os primeiros textos da temática do mês, Sexo e Literatura. Não se tratam de textos lidos na roda de leitura, mas de uma pequena seleção utilizada para ilustrar o post do blog-mãe do Por Mais Leitura. Para ver o texto:

http://pormaisleitura.blogspot.com/2007/06/para-alm-da-roda-sacanagem-rola-muito.html

O Professor Filósofo - Sade


De todas as ciências que se inculca na cabeça de uma criança quando se trabalha em sua educação, os mistérios do Cristianismo, ainda que uma das mais sublimes matérias dessa educação, sem dúvida não são, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade no seu jovem espírito.

Persuadir, por exemplo, um jovem de catorze ou quinze anos de que Deus pai e Deus filho são apenas um, de que o filho é consubstancial com respeito ao pai e que o pai o é com respeito ao filho, etc, tudo isso, por mais necessário à felicidade da vida, é, contudo, mais difícil de fazer entender do que a álgebra, e quando queremos obter êxito, somos obrigados a empregar certos procedimentos físicos, certas explicações concretas que, por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem, compreensão do objeto misterioso.

Ninguém estava mais profundamente afeito a esse método do que o abade Du Parquet, preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belo rosto que é possível ver. – Senhor abade, – dizia diariamente o pequeno conde a seu professor – na verdade, a consubstanciação é algo que está além das minhas forças; é-me absolutamente impossível compreender que duas pessoas possam formar uma só: explicai-me esse mistério, rogo-vos, ou pelo menos colocai-o a meu alcance.

O honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a catorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.

– Pois bem, – disse-lhe o abade – agora, meu amigo, concebas o mistério da consubstanciação: compreendes com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?

– Oh! meu Deus, sim, senhor abade, – diz o encantador energúmeno – agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente; não me admira esse mistério constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.

Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda “no mistério” que ele não compreendia muito bem, e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem, e a lição recomeça, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.

– Parece-me que vai demasiado rápido, – diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde de muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar... Se fixássemos, sim... dessa maneira, diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.

– Ah! Oh! meu Deus, o senhor me fez mal – diz o jovem – mas essa cerimônia parece-me inútil; o que ela me acrescenta com relação ao mistério?

– Por Deus! – diz o abade, balbuciando de prazer – não vês, caro amigo, que te ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje te explico; mais cinco ou seis lições iguais a esta e serás doutor na Sorbonne.

Decameron - Giovanni Boccaccio

( Fragmento )

O monge viu uma jovem lindíssima, filha , talvez , de algum dos lavradores da região . A jovem estava apanhando algumas ervas nos campos . Assim que o monge a viu, sentiu-se acometido pelo interesse carnal . Por esta razão , acercou-se mais da jovem e travou conversa com ela . E tanto saltou de uma palavra a outra , que terminou por firmar um acordo com ela . Por esse acordo firmado, levou-a à sua cela , sem que ninguém o percebesse. Instigado por um desejo excessivo , brincou com ela , e de um modo menos cauteloso do que seria conveniente .

Sucedeu que o abade do mosteiro , deixando a sua cama , onde dormira, e passando, sem fazer ruído , em frente à sala do tal monge , escutou a barulheira que ele e a moça faziam. Para identificar mais precisamente as vozes o abade chegou bem próximo à porta da cela. Notou sem nenhuma dúvida , que havia uma mulher lá dentro. Sentiu-se tentado a ordenar que se abrisse a porta. Entretanto , pouco depois , julgou que seria mais conveniente agir de outro modo , em semelhante caso . Retornou ao seu quarto e aguardou que o monge deixasse a cela .

Apesar de ocupado com a jovem , e ainda que gozasse enorme prazer , o monge não deixou de desconfiar de algo ; a certa altura , tivera a impressão de ouvir um arrastar de pés , pela ala dos quartos de dormir. Por essa razão , olhou através de pequeno orifício e viu que o abade ali estava, escutando. Entendeu, perfeitamente , que o abade devia saber que a jovem estava em sua companhia . Reconhecendo que , por essa razão , seria punido com grave castigo , mostrou-se profundamente aborrecido . Contudo , sem deixar que a moça percebesse a sua contrariedade , buscou em sua mente algo que o auxiliasse a escapulir daquela enrascada . Finalmente , ocorreu-lhe uma artimanha, que calhava bem a esse fim. Daí, fingindo já ter ficado o suficiente em companhia da jovem , disse-lhe:

– Quero achar uma maneira de você sair daqui de dentro sem que a vejam; assim sendo, fique aqui mesmo , calmamente , até que eu regresse.

Deixou a cela e trancou a porta com a chave . Encaminhou-se diretamente para a cela do abade, dando-lhe a chave , conforme a tradição, quando se ausentava do mosteiro. Disse, então, com expressão tranqüila e amiga :

– Senhor abade , não pude, esta manhã , ordenar que trouxessem ao mosteiro toda a lenha que pude arranjar ; por esta razão , com sua permissão , desejo ir ao bosque , para mandar que a tragam.

O abade , desejando informar-se por completo com relação à falta praticada pelo monge , ficou satisfeito com o seu modo de agir . Recebeu a chave e deu ao monge permissão para ir ao bosque . Ficou convencido , como se percebe , de que o monge nada sabia do fato de ele , abade , ter ficado escutando à porta de sua própria cela .

Bastou o monge se retirar, o abade procurou resolver o que seria mais certo fazer , primeiramente : abrir-lhe a cela , na presença de todos os monges do mosteiro , para que ninguém pudesse apresentar razões de queixa contra ele, no momento em que pela sua autoridade abacial castigasse o monge pecador , ou escutar, primeiro , da jovem mesma , a sós , como se passara o caso . Cogitando, entretanto , que a jovem pudesse ser esposa ou filha de algum homem que ele não gostaria de fazer passar por essa vergonha , decidiu que o melhor seria tratar , primeiramente , de saber quem era aquela moça para depois resolver o que faria. Silenciosamente , dirigiu-se para a cela do monge ; abriu a porta ; entrou e fechou-a por dentro , naturalmente . Vendo entrar o abade , a moça ficou desconcertada . Cheia de vergonha e de medo , pôs-se a chorar . O senhor abade olhou-a por muito tempo ; vendo-a tão bela e sensual , sentiu inesperadamente , ainda que um tanto idoso , os apelos da carne . Eram apelos não menos ardentes do que aqueles que sentira o jovem monge . E a si mesmo começou a dizer :

– Enfim , que razão há para que eu deixe de desfrutar um prazer, quando posso desfrutá-lo, se, por outro lado , os aborrecimentos e os tédios estão sempre preparados para que eu os prove, queira ou não ? Aí está uma bela moça, sem que nenhuma pessoa , no mundo , saiba disso. Se posso fazer com que me proporcione os prazeres pelos quais anseio , não existe nenhuma razão para que eu não a induza Quem é que virá a saber disto? Ninguém nunca o saberá! Pecado oculto é pecado meio perdoado. Um acaso destes quiçá jamais venha a se verificar de novo . Julgo ser conduta acertada colher o bem que Deus Nosso Senhor nos envia.

Assim refletindo, e tendo modificado inteiramente o propósito pelo qual fora até ali , acercou-se mais da moça . Com voz melíflua , pôs-se a confortá-la e a pedir , com instância , que não chorasse. Palavra puxa palavra , até que ele chegou ao ponto de poder evidenciar à moça o seu desejo . A jovem , que não era construída de ferro nem de diamante , atendeu, muito cômoda e amavelmente aos prazeres do abade . O padre abraçou-a, beijou-a muitas vezes , seguidamente , atirou-se com ela na cama do monge . Seja por enorme consideração , ou ao venerável peso de sua própria dignidade , ou pela idade tenra da jovem – seja, então por recear causar-lhe mal , pelo seu excessivo peso –, o abade não se pôs sobre o peito da moça. Antes, colocou-a sobre o seu próprio peito. E, durante muito tempo , entreteve-se com ela .

O monge , que havia fingido ir ao bosque , mas que , na verdade , escondera-se na ala dos dormitórios , viu quando o abade entrou em sua cela . Assim , completamente tranqüilo , compreendeu que seu plano dera resultado , ao perceber que o abade trancara a porta por dentro. Deixando o seu esconderijo , silenciosamente foi até o orifício da fechadura, através do qual viu e ouviu o que o abade fez e disse.

Quando pareceu ao abade que já se demorara o bastante em companhia da jovem , deixou-a trancada na cela , e retornou ao seu quarto . Passado algum tempo , ouvindo que o monge chegava, e pensando que ele regressasse do bosque , decidiu censurá-lo e mandar que o prendessem no cárcere ; assim procedendo, pretendia ficar sozinho na posse da presa conquistada. Ordenou, portanto , que o monge viesse à sua presença. Com o rosto severo e com graves palavras , censurou-o, mandando que fosse conduzido ao cárcere . O monge , sem nenhuma hesitação , retrucou:

– Senhor abade , não estou, ainda , há tempo bastante na Ordem de São Bento para conhecer todas as singularidades de sua disciplina . O senhor não me mostrara ainda que os monges precisam fazer-se mortificar pelas mulheres , assim como devem fazê-lo com jejuns e vigílias ; agora , contudo , que o senhor acaba de mo demonstrar , prometo-lhe, se me conceder o perdão por esta vez , que nunca mais pecarei por esta forma ; ao contrário , procederei sempre como vi o senhor fazer .

O abade , como homem astuto que era , reconheceu logo que o monge não só conseguira saber a seu respeito muito além do que o suposto , mas ainda ver quanto ele fizera. Por esta razão , sentiu remorsos pela sua própria culpa ; e ficou vexado de aplicar ao monge o castigo que ele , tanto quanto o seu subordinado , merecera. Deu-lhe o perdão , mas impôs-lhe silêncio sobre quanto vira . Depois , levaram ambos a moça para fora do mosteiro ; e, mais tarde, como é fácil de se presumir , inúmeras vezes a fizeram retornar ali .

Cântico dos Cânticos de Salomão

(trechos)

Anseios de Amor

Ela

Sua boca me cubra de beijos !
São mais suaves que o vinho tuas carícias ,
e mais aromáticos que teus perfumes
é teu nome , mais que perfume derramado;
por isso as jovens de ti se enamoram.
Leva-me contigo ! Corramos!
O rei introduziu-me em seus aposentos .

Coro

Queremos contigo exultar de gozo e alegria ,
celebrando tuas carícias , superiores ao vinho .
Com razão as jovens de ti se enamoram.

Recanto de Amor

Ele

És um jardim fechado, minha irmã e minha noiva ,
uma nascente fechada, uma fonte selada.
Tuas plantas são um vergel de romãzeiras ,
vegetação toda selecionada :
umbelas de alfena e flores de nardo,
nardo e açafrão , canela e jasmim-azul,
toda espécie de árvores de incenso ,
mirra e aloés ,
os melhores bálsamos .
A fonte do jardim
é como um manancial de água corrente
que brota do Líbano.
Desperta, Aquilão !
E tu , Austro, vem soprar em meu jardim ,
para que se espalhem seus aromas !

Apelo da Amada

Ela

Que entre o meu amado em seu jardim
para comer dos frutos deliciosos !

E le

Já vou ao meu jardim , minha irmã
e minha noiva ,
colher mirra e bálsamo ,
estou comendo o meu favo de mel
e bebendo o meu vinho e o meu leite .

Coro

Amigos , comei!
bebei e embriagai-vos do amor !

A uma Mulher Amada - Safo

Tradução : Décio Pignatari

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro !
Quem goza o prazer de te escutar ,
quem vê , às vezes , teu doce sorriso .
Nem os deuses felizes o podem igualar .

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne , ó suave bem querida ,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar .
Não ouço mais . Eu caio num langor supremo ;
E pálida e perdida e febril e sem ar ,
um frêmito me abala ... eu quase morro ... eu tremo.

De Amaru – Poesia Clássica Hindu

(trecho)

1
– Aonde vais pela alta noite adentro?
– Encontrar-me com quem me é vida e morte.
– E não tens medo de sair tão só?
– Sozinha? Eu? Se vai comigo o amor!
*

2
Eu disse "Deixa-me em paz",
a atormentá-lo de amor.
Levantou-se o meu amado,
e foi-se embora enfadado.
Que jeito com os homens ter?
Tão duro, sem coração,
e eu ardo em baixos desejos
do falso ardor dos seus beijos.
Minha amiga, que fazer?
*

3
Ao ver sua boca ao pé da minha boca,
desviei o olhar. E as mãos pus nos ouvidos,
quando as palavras dele retiniam.
Também escondi com as mãos o suor de enleio
que a fronte me perlava. Tentei tudo.
Mas que fazer, quando senti que as vestes
por si caíam por meu corpo abaixo?
*

4
Esmagados no abraço os seios dela,
a pele tremia-lhe, e entre as suas ancas
do amor a seiva oleosa transbordou.
"Não, meu querido, outra vez... não... oh, deixa-me
descansar", pedia num suspiro.
E dorme? Ou morre? Ou se desvaneceu
dentro em meu peito? Ou não é mais que um sonho?

Fonte:
Poesia de 26 Séculos. Tradução de Jorge de Sena. Porto, Ed. Inova, 1971.